
Para alertar o
Estado e a sociedade do impacto do uso de agrotóxicos, que vem crescendo
a cada ano, sobre a saúde pública e a segurança alimentar e nutricional
da população, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
lançou em 2012 o dossiê “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na
Saúde”, que está divido em três partes. Por ocasião do Dia Mundial da
Alimentação, celebrado nesta quarta-feira (16/10), achamos pertinente
divulgar esse documento com o objetivo de contribuir com a divulgação de
informações que ajudem a população a conhecer melhor o assunto e poder
fazer escolhas conscientes de consumo.
Quem comenta o
dossiê é a médica, pesquisadora e integrante da Abrasco e da Rede de
Justiça Ambiental, Raquel Rigotto. Na entrevista concedida à jornalista
da Assessoria de Comunicação da ASA (Asacom), Gleiceani Nogueira, a
pesquisadora responde a questões da parte 1 do dossiê intitulado “Agrotóxicos, Segurança Alimentar e Nutricional e Saúde”.
Ela explica o motivo do crescimento do uso de agrotóxicos na
agricultura, fala dos riscos à saúde e do papel das políticas públicas.
Além disso, ela fala de um estudo sobre a contaminação das águas por
agrotóxicos em comunidades da Chapada do Apodi do lado do Ceará afetadas
pelo agronegócio e dá dicas de como ter uma alimentação mais saudável e
se prevenir dos riscos dos agrotóxicos. Confira!
Asacom
– De acordo com o dossiê, enquanto nos últimos dez anos o mercado
mundial de agrotóxicos cresceu 93%, o mercado brasileiro cresceu 190%,
tornando o país o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. A que se
deve esse crescimento no Brasil?
Raquel Rigotto
– Quando a gente observa o perfil de distribuição do consumo de cerca
de um milhão de toneladas anuais de agrotóxicos no Brasil, a gente
verifica que mais de 70% desse total são consumidos nos cultivos de
soja, cana-de-açúcar e milho, que são commodities exportadas em sua
maioria. Além disso, a gente observa também um plano de ação do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Comércio que, até 2021, tem como
meta exatamente ampliar a produção dessas commodities para exportação em
percentuais que variam entre 30% a 78%, então, essa é a fonte desse
consumo elevado de agrotóxicos. Agora é importante considerar também os
impactos da Revolução Verde sobre esse consumo porque nos últimos 60
anos nós viemos sendo bombardeados por uma cultura que vem construindo
uma série de mitos em torno da produção agrícola e um deles é de que não
é possível produzir sem agrotóxicos. E a gente percebe que esse mito
perpassa as políticas públicas, que muitas vezes condicionam o acesso ao
crédito à comprovação da compra de agrotóxicos, a formação dos
profissionais do campo das ciências agrárias, que vão sair reproduzindo
essa ideologia, inclusive, na assistência técnica e extensão rural e na
própria mídia, que divulga esse tipo de compreensão, inclusive, junto a
médios e pequenos agricultores.
Asacom – Qual o perigo dos agrotóxicos para a segurança alimentar e nutricional e a saúde das pessoas?
Raquel Rigotto
– Do ponto de vista da saúde, a gente tem a comprovação de vários danos
que podem ser causados pelos agrotóxicos. Nós temos hoje 434
ingredientes ativos de agrotóxicos diferentes registrados no sistema do
Ministério da Saúde, através da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância
Sanitária], Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Agricultura e
cada um deles tem a sua nocividade e sua toxicidade. E quando a gente se
alimenta, a gente tá absorvendo ou colocando dentro do nosso corpo e,
no caso dos alimentos no Brasil, nós temos dados do Ministério da Saúde
mostrando que 63% das amostras de frutas, verduras e hortaliças cedidas
anualmente em todo o país para análise demonstram a presença de
agrotóxicos e 28% deles são considerados inadequados para o consumo
humano, tamanha a contaminação. Então, esse é um fato que vai repercutir
em toda uma cadeia que vai desde a produção dos agrotóxicos, a
exposição dos trabalhadores nas fábricas, a exposição das comunidades do
entorno a essas fábricas por causa da contaminação ambiental que elas
produzem, a venda desses produtos, o transporte deles pelas estradas e o
seu uso, principalmente, na agricultura, que vai comprometer a saúde
dos trabalhadores agrícolas. Vão comprometer também as famílias, seja
pela ocorrência da prática de pulverização aérea que contamina o ar, a
água, o solo, as residências, seja através de outras formas de aplicação
que também contaminam especialmente as águas e levam esses agrotóxicos
pra regiões remotas em relação à área específica de uso. Então, esses
agrotóxicos vão estar relacionados a efeitos agudos, que são aqueles que
acontecem em curto período de tempo, mas há concentrações elevadas, e
também vamos ter os chamados efeitos crônicos, que são aqueles que mais
comumente atingem os consumidores de alimentos e aí a gente tem um vasto
leque de patologias.
Asacom – Que tipos de patologias são essas?
Raquel Rigotto
– A gente pode citar, por exemplo, os efeitos endócrinos com alteração
no comportamento de alguns de nossos hormônios, principalmente, os
hormônios sexuais e, com isso, interferir em problemas comuns hoje como a
puberdade precoce, má formação congênita, câncer de mama, câncer de
próstata. Há também outros mecanismos de produção de câncer,
especialmente, as leucemias. Aqui no Ceará, por exemplo, os agricultores
têm 6,35 vezes mais leucemias do que os não agricultores num estudo que
a gente fez entre 2000 a 2006. Temos também efeitos respiratórios e
hepáticos. Há efeitos também sobre a pele, os rins e também os
neurológicos que é importante lembrar, por exemplo, a hiperatividade em
crianças vem sendo associada aos ingredientes ativos, a Síndrome de
Parkinson também pode estar relacionada a isso, então, é um amplo leque
de patologias. Tem outra dimensão que está indiretamente ou diretamente
relacionada aos agrotóxicos que é o uso do transgênico, no caso daquela
semente que tem seu material genético alterado para possibilitar a
exposição ao herbicida sem que isso leve à morte da planta. É o caso da
maioria dos transgênicos autorizados no Brasil. Então a discussão do uso
de sementes transgênicas, além de uma lesão a esse patrimônio natural
que são as sementes crioulas, levou a um aumento expressivo de
herbicidas no País e isso traz importantes consequências para nós. Tem
outro dado que merece ser mencionado que é dos 50 ingredientes ativos
mais utilizados no Brasil hoje, 22 já foram proibidos em outros países.
Asacom
– A senhora foi responsável por um estudo que comprova a contaminação
das águas por agrotóxicos em comunidades da Chapada do Apodi do lado do
Ceará atingidas por um perímetro irrigado do DNOCS. Quais os principais
resultados desse estudo?
Raquel Rigotto
– Nós fizemos um estudo entre 2007 e 2011 na região do perímetro
irrigado Jaguaribe-Apodi e Tabuleiro de Russas, que ficam próximos à
divisa do Ceará com o Rio Grande do Norte. Eles são dois dos 36
perímetros que o DNOCs [Departamento Nacional de Obras contra as Secas]
já construiu no Nordeste e hoje esta questão está voltando à cena com
uma relevância muito grande porque o Ministério da Integração, através
da sua política nacional de irrigação, pretende expandir os perímetros
irrigados em mais de 200 mil hectares, além de ampliar os perímetros em
torno de 150 mil hectares. Embora a gente tenha estudado apenas dois
perímetros, esperamos que ele seja um alerta para essa política de
desenvolvimento do Semiárido. Além da contaminação da água, tem uma
série de outros problemas como a expropriação de terras dos camponeses, a
destruição do modo de vida e do saber tradicional dessas comunidades
camponesas, indígenas e de pescadores, a implantação de uma forma de
trabalho completamente diferente da que eles tinham antes e uma série de
outras dimensões da água, da saúde, da cultura, etc. No caso específico
do perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi, as comunidades tradicionais
camponesas estão convivendo com empresas do agronegócio que foram
instaladas se beneficiando das águas do perímetro e também das águas do
Aquífero Jandaíra, que nós temos aqui na nossa região. Um estudo da
Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará, publicado em 2009,
mostrou que das 10 amostras coletadas desse aquífero, em seis foram
identificadas presença de agrotóxicos. E no nosso estudo foram coletadas
23 amostras em triplicatas tanto de águas subterrâneas, como as águas
dos canais do perímetro de irrigação como água servida às comunidades
pelo Sistema de Abastecimento Municipal do Limoeiro do Norte,
infelizmente, não encontramos nenhuma amostra isenta de agrotóxicos.
Todas elas tinham pelos menos três ingredientes distintos e havia
situações em que foram encontradas, em uma única amostra, um verdadeiro
coquetel com 12 diferentes ingredientes ativos de agrotóxicos distintos.
Então isso é uma situação que tem provocado muito a saúde publica na
região e tem incomodado muito as comunidades que já sabiam dessa
contaminação.
Asacom
– Os agrotóxicos estão isentos de vários impostos como ICMS, PIS/PASEP,
COFINS e IPI previstos em vários decretos (Convênio nº100/97, Decreto
nº 5.195/2004 e Decreto 6.006/2006). Com isso, podemos afirmar que a
legislação brasileira favorece o uso desse tipo de insumo químico?
Raquel Rigotto
– Esse é apenas um dos elementos que comprovam isso porque desde 1997
temos um decreto federal e depois alguns estados ampliaram essa parte da
isenção chegando a 100% do ICMS. Então, temos um incentivo legal ao
consumo de substâncias tão nocivas para a saúde pública e para o meio
ambiente. Se compararmos, por exemplo, com a situação do cigarro e das
bebidas alcoólicas, eles têm uma sobretaxação exatamente pelos impactos
que trazem para a saúde e o que isso significa de despesas pelo sistema
público de saúde. E, no caso dos agrotóxicos, você tem de um lado o
consumo estimulado pela isenção e do outro lado você não tem a provisão
dos recursos necessários para tratar adequadamente cada um desses casos,
diagnosticar, tratar, prevenir, fazer ações de vigilância. Esse é
inclusive um dos motivos pelos quais os consumidores perguntam por que
os alimentos orgânicos são tão caros. Não é que sejam caros, é que os
alimentos convencionais produzidos com agrotóxicos têm sido barateados
por esse tipo de incentivo e de outros e mais do que isso a produção
deles gera contaminação ao meio ambiente e às pessoas e o custo disso
não está embutido no preço do produto. Quem paga essa conta somos nós.
Asacom
– Nesta quarta-feira (16/10) é celebrado o Dia Mundial da Alimentação.
Que dicas/orientações a senhora daria para as pessoas que desejam se
prevenir dos riscos dos agrotóxicos e ter uma alimentação mais saudável?
Raquel Rigotto
– Muitas respostas a essa pergunta vêm sendo construídas no âmbito dos
movimentos sociais e das organizações. A gente tem experiência de
agricultura urbana em que as pessoas estão cultivando alimentos
saudáveis em praças, no seu quintal, na sua varanda, no seu jardim. Nós
temos também associações de produtores agroecológicos que disponibilizam
seus produtos através de feiras agroecológicas possibilitando que a
gente tenha acesso a esse tipo de alimento.
Há também alguns
cuidados que a pessoa pode ter, um deles, é quebrar o mito de que o
tomate mais bonito é o mais saudável. Às vezes, o tomate que tem um
bichinho é aquele que eu colho porque isso pode ser um indicador de que
ele não tem tanto veneno. Um tomate menor, que não tem aquela aparência
maravilhosa que às vezes se espera pode ser muito mais saudável do que
aquele que foi produzido com alta carga de fertilizantes químicos e
agrotóxicos. Outra forma da gente se proteger é tentar garantir que o
período de segurança entre a aplicação do agrotóxico e o consumo seja
respeitado porque muitas vezes os agricultores não respeitam esse
período e colhem o produto antes dele estar completado. Então, ele não
tem nenhum tempo de sofrer uma degradação química. Uma outra coisa é a
higienização dos alimentos. A gente não vai conseguir tirar de cada
produto tudo que ele tem de veneno, mas aqueles excessos que estão na
casca podem ser retirados com a lavagem adequada, bem feita, com água
corrente etc. E também considerar sempre que os alimentos produzidos por
grandes empresas, as frutas, os legumes, levam um banho de veneno ante
de sair das fábricas. Então lembrar que essas cascas estão muito
contaminadas e cuidar das mãos, cuidar do contato dessas cascas com o
alimento no prato, na geladeira, porque eles ainda estão portando
agrotóxicos. Agora, o fundamental, que todos nós consumidores precisamos
fazer é tomar consciência da realidade desse modelo de produção
agrícola e fazer tudo que tiver ao nosso alcance pra modificá-lo. Temos
que partir pra uma proposta de produção de alimentos que não seja
baseada na agroindústria, nas grandes empresas, e que tenha como base a
agricultura agroecológica. É isso que seria a solução mais promissora do
ponto de vista da humanidade como um todo.
FONTE: Gleiceani Nogueira – Asacom
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